quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O não ser literal

Uma das virtudes que define o Gnosticismo é que ele não costuma interpretar os seus mitos e escrituras de forma literal. Toda a tradição é vista mais como poesia inspiradora, que obviamente contém verdades, que serve para nos guiar na nossa busca de gnose. No cristianismo a questão é mais complexa porque em geral foram construídos “edifícios” de doutrina imensamente complexos que sustentam não só uma estrutura metafísica mas uma estrutura física e política. O Gnosticismo ao ser uma religião de pouco dogma e profundamente pessoal é portanto menos propensa a ser politizada e por isso não é de estranhar que quase sempre a perspectiva Gnóstica sobre temas sociais seja ao mesmo tempo mais radical e mais liberal que a da maior parte dos movimentos Cristãos.

Na antiguidade muitos grupos gnósticos incluíram mulheres em posições de autoridade enquanto no Cristianismo o movimento oposto (no sentido de as excluir e inferiorizar) ganhava influência. Alguns gnósticos preferiam uma estrutura com um clero ordenado (mas sem autoridade política e sem capacidade de interferir na vivência do crente – o seu papel era autenticamente ajudar a comunidade na sua vivência religiosa e mundana e não dominá-la) enquanto outros preferiam organizar-se em círculos de membros plenamente iguais em que nas suas cerimónias os papeis normalmente ocupados pelo clero eram distribuídos aleatoriamente, proporcionando um modelo de igualdade quase sem paralelo até nos dias de hoje enquanto no Cristianismo ortodoxo se insistia cada vez mais no papel da hierarquia da Igreja e da submissão do crente a ela em todos os aspectos da sua vida. Obviamente que o facto de o modelo de organização gnóstico ser quase sempre uma hierarquia sem poder político (não só por não o ter mas essencialmente por não o desejar ou mesmo abominar) ou pequenos círculos igualitário tornou o movimento como um todo extremamente vulnerável ao Cristianismo ortodoxo que possuía uma estrutura com ramificações políticas impressionantes que não hesitou em usar para suprimir os seus rivais. No presente a minha opinião pessoal é que qualquer dos dois modelos gnósticos antigos é perfeitamente válido e útil para uma comunidade gnóstica e que não devemos cair no erro de tentar seguir o modelo Cristão tradicional porque tal autoridade além de não ter justificação é o equivalente a cair numa armadilha dos Arcontes. Tornaria a Igreja do Espírito numa Igreja do Mundo.

Sem comentários: