quinta-feira, 9 de julho de 2009

Regresso depois de tribulações

Depois de um período de grandes tensões pessoais (não religiosas) estou de regresso à manutenção do templo. Espero desta vez conseguir escrever de forma mais consistente mas o futuro é imprevisível. Mais uma vez sejam todos bem vindos.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Mails e clarificações

Esta semana recebi um mail de uma pessoa que passou por este blog e achei o tema levantado de tal forma relevante que resolvi desenvolver um texto à volta da questão. O assunto eram as origens do gnosticismo e a sua relação com o cristianismo – o autor do mail assumia que os dois estavam tão ligados que seria impossível referir o gnosticismo sem o Cristianismo. Ora do meu ponto de vista a questão põe-se nos seguintes moldes: o Cristianismo primitivo não era a uma mini-ortodoxia como a Igreja Católica vendeu durante séculos, há provas de grande variedade de culto e de interpretações dentro da comunidade original. Dado que o mito de Jesus e toda a parafernália mitológica associada parecem ter sido derivados das religiões de mistério da antiguidade (o nascimento de uma virgem, a redenção oferecida, o código moral, a perseguição, a morte por crucificação, o ressuscitar ao 3º dia, etc) é mais provável que o Cristianismo primitivo fosse uma adaptação judaica (cedo tornada mais universalista) dos ditos mistérios e cujo objectivo estava mais próximo do que o Gnosticismo defende (o alcançar uma perspectiva, um conhecimento) do que aquilo que a ortodoxia propôs (a submissão política e moral do crente).

Ilustração do profeta Mani, um dos representantes mais destacados das religiões gnósticas de matiz não cristã

Além destas diferenças, nada pequenas, temos ainda o facto de que houve religiões gnósticas (que partilhavam o suficiente das suas atitudes e princípios para poderem encaixar nesta categoria) que nada tinham haver com o Cristianismo: o Maniqueísmo persa sendo o exemplo mais perfeito mas não exclusivo. Tudo isto prova que apesar de poderem recorrer a um corpo de imagens comum o Cristianismo e o Gnosticismo são dois caminhos muito diferentes, quer na sua interpretação do que é real (para o gnóstico o facto de ter ou não existido um Jesus histórico é irrelevante já que o interessa é o mito e o processo de ser um “Cristo” e não o de uma suposta encarnação de um principio espiritual num dado momento do tempo) e no que é desejável (a limitação pessoal é definitivamente algo profundamente nocivo já que da perspectiva gnóstica a verdade, gnose, é pessoal e tem que ser interpretada por cada um de nós; ao diminuir a capacidade do crente pensar, imaginar ou agir estamos a limitar as possibilidades de que ele atinja o seu objectivo final).

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Algumas notas sobre o Gnosticismo

A visão do mundo Gnóstica em poucas palavras:

1) Somos eternos e imortais – A nossa responsabilidade principal não é para com factores materiais mas sim para como aquela parte mais intima do nosso ser que é Divina e como tal não limitada pelo tempo nem pelo Universo Físico.

2) O Sistema não é o mundo – o mundo possui muitas coisas boas mas a totalidade delas encontra-se sujeita a um sistema opressivo de economia, política, burocracia que nos condena à injustiça e à ignorância. O sistema conspira para nos roubar do nosso conhecimento da nossa unidade com o Divino.

3) A fé não nos salvará do sistema – só o conhecimento (a gnose) pode levar-nos a compreender a verdadeira natureza do nossa chama Divina e a forma como se relaciona com o resto do mundo. O gnosticismo não se vale de crenças mas sim de experiências, é preciso uma mente desperta e curiosa tal como um coração corajoso e com compaixão para seguir este caminho.

4) Há sabedoria no mundo e anseia por ser descoberta – através da linguagem gnóstica (sonhos, mito, poesia, intuição e imaginação) podemos primeiro reconhecer e mais tarde interpretar essa sabedoria.


segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Não temos certezas


Foram tempos complicados para mim pessoalmente. Este espaço ficou um pouco em stand by enquanto tentava dar sentido a outras coisas que me perturbavam. Não sei se encontrei respostas adequadas. Só sei que de momento estou pronto a continuar no meu percurso e neste cantinho da internet portuguesa. Mas antes de o fazer tenho que partilhar uma experiência ou “descoberta”: finalmente entendo a escolha de muitos místicos em retirarem-se da sociedade em busca de algo mais calmo e puro. Percebo a paz de mente e espírito que isso traz e que tanto beneficia aqueles que sabem receber essas dádivas. Mas para mim esse não é o caminho a seguir. Pelo menos não por enquanto. A Cidade dos Homens pode não ser perfeita mas ainda não estou pronto a abandoná-la .

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Abraxas

"The bird struggles out of the egg. The egg is the world. Whoever wants to be born, must first destroy a world. The bird flies to God. That God's name is Abraxas" – Hermann hesse, Demian 1919
É um dos poucos símbolos artísticos gnósticos que sobreviveu aos séculos de repressão no Ocidente e no Oriente costuma aparecer em algumas pedras preciosas decorativas e em moedas e talismãs como figura evocativa do Infinito (algo platónico), do Universo, o seu funcionamento e o nosso lugar nele. Não é de forma alguma a representação de um “Deus” gnóstico ou qualquer outra coisa que possa ser interpretada de forma tão literal.

A cabeça de Galo incita-nos a acordar da ilusão onde temos estado imersos. As suas pernas são as serpentes da sabedoria antiga que ajudaram o Homem Primordial. A sua carroça o veiculo com o qual progredimos na nossa viagem de descoberta. Nas suas mãos trás os implementos da nossa busca, numa carrega o escudo da tradição e na outra o mangual do desafio e da procura. Um perfeito exemplo do mito gnóstico saído directamente de um reino de sonhos e visões de arquétipos Espirituais.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Salvação individual

O Gnosticismo desde sempre defendeu que apesar de todos os seres humanos possuírem a “chama divina” (a essência que difere radicalmente da forma) a salvação é um processo individual e nunca colectivo. Ora se a salvação é algo individual a culpa também o é e por isso toda a teologia cristã de pagar pelo pecado original não faz qualquer sentido para o gnóstico. Além disso da perspectiva gnóstica o mundo não foi criado de forma perfeita (longe disso) e como tal nem sequer existe qualquer tipo de pecado original ou uma “queda de Graça”. Quererá isto dizer que para os gnósticos não existe o conceito de pecado? Não exactamente. Os gnósticos interpretam o pecado através do seu significado original; em grego a palavra para pecado era “harmatia” que significa literalmente falhar o alvo. Ora nesse sentido todos em principio pecamos já que por ignorância das Verdades Divinas nem sempre agimos de forma correcta. O objectivo dos mensageiros da Luz (já mencionados em posts anteriores) é precisamente estimular a nossa capacidade de quebrar as correntes de ignorância que nos prendem.

Através dos esforços dos mensageiros da Luz alguns indivíduos acordam e devotam o seu tempo e esforço à exploração das realidades espirituais tornando-se desta forma verdadeiros Gnósticos (aqueles que sabem, que possuem conhecimento) enquanto os outros continuam inevitavelmente presos a tudo o que é terreno. Isto tem frequentemente levantado acusações de elitismo por parte dos gnósticos, como se considerássemos o resto da Humanidade como desprezível. A realidade é bem diferente. Os gnósticos simplesmente reconhecem que existem diferenças entre os vários seres humanos e que alguns estão conscientes das realidades superiores enquanto outros permanecem ignorantes. E para demonstrar por acções a falsidade de tal acusação basta ver que religiões ou grupos religiosos cometeram inúmeras atrocidades em nome da sua fé – pessoalmente penso que o facto de o gnóstico ter experiência directa do Divino (gnose), enquadrada pelos elementos base do gnosticismo e pela prática religiosa, o torna confiante o suficiente para não ter que procurar confirmação fora de si próprio.

Uma outra acusação que surge com igual frequência é a de que os gnósticos tendem para o niilismo porque a sua visão demoniza o mundo. Mais uma vez a realidade é bastante diferente da acusação simplista e sem nuances que nos é lançada. De um ponto de vista pessoal o Gnosticismo não é niilista mas simplesmente encara o Espírito como intrinsecamente superior à matéria mas sempre defendendo que a gnose tem que ser atingida enquanto somos seres físicos – o suicídio, para dar um exemplo, é do nosso ponto de vista improdutivo pois a morte não conduz automaticamente à gnose levando apenas à reencarnação até que esta (gnose) seja atingida. De um ponto de vista mais sociológico a acusação de oposição à lei devido à sua natureza material é apenas verdade nos casos em que um código legal é apresentado sem uma argumentação explicativa. Para o gnóstico o importante é o raciocínio por detrás da lei, o estado de Espírito. Como conclusão poderíamos dizer que os gnósticos não odeiam o mundo em sim mas apenas as muitas (e inevitáveis) falhas que este possui e procuram salvação não na fé ou em instituições mas apenas na gnose, algo puramente espiritual e dependente de cada individuo.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Luz das nossas vidas

Eu há uns tempos atrás criei o meu próprio ritual para celebrar os elementos de Luz que tenho na minha vida e que me ajudam a prosseguir num caminho que nem sempre é fácil. Hoje por ser uma altura em que preciso de recordar a importância das pessoas e dos eventos que iluminam a minha vida resolvi partilhar um pouco da minha vivência pessoal. Nestas alturas penso em todas as pessoas que me ajudaram, mesmo que não estejam já presentes na minha vida, que me amam, que eu amo, que me deram o presente da sua amizade, que trouxeram alegria à minha vida e eu à deles. Saboreio as experiências que enriqueceram o meu percurso e ao fim de algum tempo acendo uma vela no meu quarto escuro. Simboliza o lugar potencialmente escuro em que vivemos mas que pode ser iluminado. Por vezes leio uma oração das escrituras de Nag Hammadi mas a maioria das vezes penso só no que tive, no que tenho e no que posso dar para trazer também eu alguma Luz aos sitos por onde passo.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O não ser literal

Uma das virtudes que define o Gnosticismo é que ele não costuma interpretar os seus mitos e escrituras de forma literal. Toda a tradição é vista mais como poesia inspiradora, que obviamente contém verdades, que serve para nos guiar na nossa busca de gnose. No cristianismo a questão é mais complexa porque em geral foram construídos “edifícios” de doutrina imensamente complexos que sustentam não só uma estrutura metafísica mas uma estrutura física e política. O Gnosticismo ao ser uma religião de pouco dogma e profundamente pessoal é portanto menos propensa a ser politizada e por isso não é de estranhar que quase sempre a perspectiva Gnóstica sobre temas sociais seja ao mesmo tempo mais radical e mais liberal que a da maior parte dos movimentos Cristãos.

Na antiguidade muitos grupos gnósticos incluíram mulheres em posições de autoridade enquanto no Cristianismo o movimento oposto (no sentido de as excluir e inferiorizar) ganhava influência. Alguns gnósticos preferiam uma estrutura com um clero ordenado (mas sem autoridade política e sem capacidade de interferir na vivência do crente – o seu papel era autenticamente ajudar a comunidade na sua vivência religiosa e mundana e não dominá-la) enquanto outros preferiam organizar-se em círculos de membros plenamente iguais em que nas suas cerimónias os papeis normalmente ocupados pelo clero eram distribuídos aleatoriamente, proporcionando um modelo de igualdade quase sem paralelo até nos dias de hoje enquanto no Cristianismo ortodoxo se insistia cada vez mais no papel da hierarquia da Igreja e da submissão do crente a ela em todos os aspectos da sua vida. Obviamente que o facto de o modelo de organização gnóstico ser quase sempre uma hierarquia sem poder político (não só por não o ter mas essencialmente por não o desejar ou mesmo abominar) ou pequenos círculos igualitário tornou o movimento como um todo extremamente vulnerável ao Cristianismo ortodoxo que possuía uma estrutura com ramificações políticas impressionantes que não hesitou em usar para suprimir os seus rivais. No presente a minha opinião pessoal é que qualquer dos dois modelos gnósticos antigos é perfeitamente válido e útil para uma comunidade gnóstica e que não devemos cair no erro de tentar seguir o modelo Cristão tradicional porque tal autoridade além de não ter justificação é o equivalente a cair numa armadilha dos Arcontes. Tornaria a Igreja do Espírito numa Igreja do Mundo.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

A vida de dona Maria

A dona Maria é uma senhora de idade que vive nas zonas antigas de Lisboa. Até há uns anos podia queixar-se do estado do prédio onde vivia mas a câmara Municipal tratou do problema num dos seus programas de restauro das zonas velhas. Toda a vida trabalhou como empregada doméstica em casas mais abastadas e por todas as onde passou trouxe qualquer coisa com ela. Não apenas uma experiência e conhecimentos mas malícia. Perdeu a conta às camas por onde passou, não por afecto ou prazer mas por interesse. Os patrões ofereciam bónus salariais e presentes e dona Maria sempre se deixou deslumbrar e subornar pelas ofertas. Tal como a maioria das pessoas nascidas no seu tempo dona Maria foi educada como católica e sempre demonstrou grande fé pessoal na sua religião. Ia à missa pelo menos uma vez por semana, confessava-se regularmente (se diria mesmo tudo o que se cometeu nas casas por onde passou ou não é um mistério que só o seu confessor poderia revelar), rezava assiduamente em casa e sempre fez alarido público da sua devoção quer para amigos quer para vizinhos.

A velhice chegou e dona Maria acabou por se reformar e foi viver para a casa que mais tarde seria restaurada. Tal como a maioria das pessoas da sua idade a sua reforma é baixa, muito baixa; mal dando para ela viver com um mínimo de conforto que qualquer pessoa de idade merece ter nos seus últimos anos. Para melhorar esta situação dona Maria alugou quartos da sua casa a estudantes de fora de Lisboa. Ao receber este poder sobre a vida de outras pessoas dona Maria voltou aos seus hábitos. Sempre tentou extorquir de forma mais completa possível dinheiro aos estudantes que por sua casa foram passando (não estando acima de recorrer a ameaças físicas e espirituais para expulsar hóspedes que não colaborassem). Uns pagaram peças de mobiliário que não tinham estragado, outros rendas adiantadas para evitar que a senhora tivesse uma atitude agressiva, alguns menos afortunados foram mesmo trancados fora de casa sem aviso prévio por não colaborarem nestas situações.

Eventualmente dona Maria faleceu. Piamente convencida que o céu lhe estava destinado. A sua fé era forte e a sua prática impecável ao público. A sua filha despachou o funeral o mais cedo que pode e o mais barato que conseguiu já que não guardava grande afecto por uma mãe que a tinha abandonado na casa de uns tios assim que nascera. A vida de todos continuou.

Pessoalmente não posso deixar de ter pena por dona Maria – além de sentir a dor de todos os que ela aleijou de forma consciente e intencional. Presa a uma fé de fetiches em que cruzes e poses públicas passam por verdadeiro conhecimento divino viveu a sua vida de forma miserável, eternamente atrás da vantagem imediata, prejudicando outros que no fundo são seus irmãos e prejudicando-se a ela mesma ao não aceitar a obrigação de se conhecer a si mesma e o amor espiritual que tanto publicitava aos outros. Dona Maria não aprendeu o que deveria ter aprendido e por muito fiel que tenha sido aos rituais a verdadeira Vida passou-lhe ao lado.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Entrevista a Timothy Freke

Achei interessante partilhar uma entrevista com um dos autores mais curiosos no panorama gnóstico em termos de estudos históricos e a sua relação com o presente. Não é claro pela entrevista se Timothy Freke se vê a ele próprio como um gnóstico tradicional mas penso que o fará. Sem dúvida que ele percebeu certas coisas muito importantes e relevantes para qualquer gnóstico que se preze. São quase 30 minutos que são um prazer ver.

As obras mais relevantes do autor (infelizmente não conheço nenhuma tradução portuguesa de nenhuma delas):

The Jesus Mysteries

Jesus and the Lost Goddess

The Laughing Jesus

The Gospel of the Second Coming