segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Mails e clarificações

Esta semana recebi um mail de uma pessoa que passou por este blog e achei o tema levantado de tal forma relevante que resolvi desenvolver um texto à volta da questão. O assunto eram as origens do gnosticismo e a sua relação com o cristianismo – o autor do mail assumia que os dois estavam tão ligados que seria impossível referir o gnosticismo sem o Cristianismo. Ora do meu ponto de vista a questão põe-se nos seguintes moldes: o Cristianismo primitivo não era a uma mini-ortodoxia como a Igreja Católica vendeu durante séculos, há provas de grande variedade de culto e de interpretações dentro da comunidade original. Dado que o mito de Jesus e toda a parafernália mitológica associada parecem ter sido derivados das religiões de mistério da antiguidade (o nascimento de uma virgem, a redenção oferecida, o código moral, a perseguição, a morte por crucificação, o ressuscitar ao 3º dia, etc) é mais provável que o Cristianismo primitivo fosse uma adaptação judaica (cedo tornada mais universalista) dos ditos mistérios e cujo objectivo estava mais próximo do que o Gnosticismo defende (o alcançar uma perspectiva, um conhecimento) do que aquilo que a ortodoxia propôs (a submissão política e moral do crente).

Ilustração do profeta Mani, um dos representantes mais destacados das religiões gnósticas de matiz não cristã

Além destas diferenças, nada pequenas, temos ainda o facto de que houve religiões gnósticas (que partilhavam o suficiente das suas atitudes e princípios para poderem encaixar nesta categoria) que nada tinham haver com o Cristianismo: o Maniqueísmo persa sendo o exemplo mais perfeito mas não exclusivo. Tudo isto prova que apesar de poderem recorrer a um corpo de imagens comum o Cristianismo e o Gnosticismo são dois caminhos muito diferentes, quer na sua interpretação do que é real (para o gnóstico o facto de ter ou não existido um Jesus histórico é irrelevante já que o interessa é o mito e o processo de ser um “Cristo” e não o de uma suposta encarnação de um principio espiritual num dado momento do tempo) e no que é desejável (a limitação pessoal é definitivamente algo profundamente nocivo já que da perspectiva gnóstica a verdade, gnose, é pessoal e tem que ser interpretada por cada um de nós; ao diminuir a capacidade do crente pensar, imaginar ou agir estamos a limitar as possibilidades de que ele atinja o seu objectivo final).

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